terça-feira, 30 de setembro de 2014

A juridicidade do direito internacional II

“São cada vez em menor número as correntes filosóficas e os autores que negam a existência do Direito Internacional como ramo do Direito, de tal modo que as modernas obras gerais sobre o Direito Internacional já não se preocupam com a demonstração da sua juridicidade. Todavia, não era assim há pouco tempo. Pensamos, por isso, que continua a ser oportuno discutir-se a seguinte questão: serão as normas de Direito Internacional verdadeiras normas jurídicas?”

André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, Manual de Direito Internacional, 3ª Edição, Almedina, 1997, p. 46

3 comentários:

  1. A afirmação do Direito Internacional, ao longo do tempo, não tem sido poupada. De facto, existem dúvidas cruciais relativas ao seu carácter jurídico, proveniente de negativistas.
    Esta é uma questão ultrapassada, se se atender aos aspetos que testemunham o êxito do Direito Internacional no contexto das disciplinas jurídicas.
    A negação da juridicidade do Direito Internacional, assenta numa conceção muito peculiar acerca da organização do poder estadual, da respetiva consistência e limites, bem como da inserção do Estado na sociedade internacional.
    A primeira das teses filosóficas passa pelo jusnaturalismo, radical e pessimista, de Thomas Hobbes, para quem o estado de natureza seria um estado de guerra generalizada de todos os homens contra tudo e contra todos, cuja saída seria a criação de um Estado todo-poderoso, o Leviatã, que seria o garante da paz entre as pessoas, aplicável à vida internacional.
    A segunda é a filosofia de cunho hegeliano, nela se concedendo a primazia do poder estadual sobre todos os outros poderes. Não seria admissível que o poder do Estado, suportasse quaisquer limitações que decorressem de outras estruturas de poderes, nomeadamente estando em causa estruturas menores que tivessem sido criadas no plano internacional. Aqui, o Estado jamais poderia sequer relacionar-se no seio de uma sociedade internacional.
    Refutando, não é isso que sucede. As matérias, objeto de regulação internacional mostram-se em ascendência; e, são cada vez mais frequentes os tratados internacionais celebrados entre os Estados, que até aceitam pertencer a estruturas menores de poder público (como são as organizações internacionais).
    A exaltação da soberania estadual que está subjacente a esta filosofia geral não tem hoje viabilidade. Todavia não podemos pensar que a soberania estadual se torna inexistente, existem matérias sobre as quais os Estados não podem consentir numa “perda de soberania” e conceder que outros Estados intervenham em demasia, por serem matérias de elevada importância (ex: segurança).
    Quanto às críticas técnico-jurídicas, o foco central desta posição apoia-se no facto de no âmbito internacional não haver estruturas de coerção, capazes de por si só imporem o respeito pela observância do Direito Internacional. Frisa-se a debilidade dos mecanismos de aplicação coativa de sanções internacionais, não havendo polícia ou exército internacionais capazes de aplicar as sanções às grandes potências que violam as normas e princípios do Direito Internacional. Aponta-se como fragilidade desta tese: a coercibilidade ser certeza do Direito Internacional, pela verificação de instrumentos adjetivos do cumprimento das normas internacionais (tribunais internacionais e não só – os próprios órgãos que compõem a estrutura das organizações internacionais), bem como a aplicação de sanções para o seu incumprimento (a imposição de algo pela força, não é o único modo de coerção). Poderíamos, no entanto, afirmar que esta coercibilidade é deficiente, entendido que a eficácia dos instrumentos não é total. Mas não podemos confundir deficiente coercibilidade com a sua total inexistência.
    Há que considerar o espaço temporal onde ocorrem estas teses negativistas, e o caráter recente do direito internacional, já que este vai evoluindo com o tempo, consoante os desafios que vai tendo pela frente. É natural, que este reconhecimento não seja notório para todos, nem tenha um entendimento unânime. No entanto, é incontestável que o Direito Internacional se tem individualizado na enciclopédia jurídica, e os Estados respeitam-no enquanto direito, que é.

    Daniela Moreira Trindade/ Nº2900

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  2. Embora atualmente a juridicidade do Direito Internacional seja reconhecida pela maioria das correntes filosóficas, importa, ainda assim, esclarecer as razões deste posicionamento perante a questão, pois apenas recentemente começou a ser maioritariamente consensual. A discussão relativa à veracidade das normas de Direito Internacional como normas jurídicas encontra-se diretamente relacionada com a juridicidade do Direito Internacional, e partindo desse pressuposto, desde o início, se poderá afirmar que se se reconhece o Direito Internacional como um ramo do Direito as normas respeitantes ao Direito Internacional são verdadeiras normas jurídicas.
    Mas, centremo-nos agora nos argumentos negativistas clarificando os motivos pela qual estes não são mais aceites nos dias de hoje. Há dois grupos distintos que apresentam objeções à natureza da norma jurídica. Primeiramente apresenta-se o grupo de argumentos de natureza filosófica em que se destacam os de raiz hegeliana que consideram, resumidamente, que o Estado é a encarnação absoluta do ideal na História, não se podendo submeter a uma autoridade superior. Nas relações entre dois Estados soberanos não poderiam então existir vinculações jurídicas para nenhum deles. Do hegelianismo surgiram várias derivações, entre as quais as de natureza sociológica que negavam a existência da Comunidade Internacional. Um dos exemplos mais paradigmáticos foi o neo-hegeliano Julius Binder, que considerou que o Direito está sempre vinculado a uma comunidade que consiste no seu substrato sociológico: o Direito é a “forma existencial duma comunidade”. O autor questiona-se como pode então existir Direito Internacional se não existe, na realidade, uma comunidade superior dos Estados. Consequentemente, conclui que as normas de Direito Internacional não são mais do que “moral internacional ou costume internacional”. Quanto à refutação destas teorias, deve começar-se por referir que a negação da Comunidade Internacional não fará sentido, se isso significar que não existem relações jurídicas na Comunidade Internacional porque isso simplesmente não corresponde à realidade, não negando que as relações que se estabelecem no interior da comunidade estadual são certamente mais densas e elaboradas. Conclui-se assim que só se pode construir o conceito de Direito Internacional com base numa conceção filosófica que admita a existência da Comunidade Internacional, superando a ideia de soberania absoluta e indivisível do Estado. Há, portanto, certas construções doutrinárias que, em consequência da sua posição perante o conceito de Estado e de soberania estadual, não podem aceitar a existência de Direito Internacional, embora atualmente já quase não tenham seguidores.


    Francisca Marçal Santos, nº 003601

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  3. (Continuação:)
    Em segundo lugar, apresentam-se argumentos de técnica jurídica. Não obstante da aceitação do Direito Internacional em abstrato, defende-se que as normas deste Direito carecem de características técnicas específicas da norma jurídica. Sustentam esta posição numa célebre frase: “na Comunidade Internacional não há nem legislador, nem juiz, nem polícia”. Por via da inexistência na Comunidade Internacional de uma entidade competente para a definição formal da norma, para a sua interpretação no caso concreto e aplicação coerciva, não haverá Direito Internacional. Neste contexto, é então necessário dividir a refutação deste argumento em diversas partes para que se responda convenientemente às questões da existência, ou não, de um legislador, de um órgão jurisdicional e de coercibilidade no Direito Internacional. Iniciemos com a questão do legislador. Indubitavelmente, não há um legislador à escala internacional porque o Direito Internacional não é, pelo menos presentemente, um Direito Mundial. No entanto, há zonas na Comunidade Internacional, onde já existe, efetivamente, um legislador. Exemplo disso são algumas das Organizações Internacionais, especificamente as Organizações supranacionais, dentro das quais se destacam as Comunidades europeias. Mas, ainda que não houvesse qualquer legislador na Comunidade Internacional, isso não significaria que não houvesse Direito porque a lei não é a única fonte de Direito existente, mesmo no Direito interno. Neste caso, no Direito Internacional a principal fonte de Direito ainda é o costume onde, com exceção das zonas onde o processo legislativo testemunhou uma maior evolução, as normas jurídicas internacionais são provenientes maioritariamente do costume e do tratado. Naturalmente, se estas fontes de Direito forem competentes o suficiente para produzir normas jurídicas obrigatórias, conclui-se que a não existência de um órgão legislativo central não impede o fenómeno da produção jurídica. Mas terão estas fontes do Direito um regime de obrigatoriedade? A resposta é positiva tendo em conta que algumas das normas geradas tanto pelo costume como pelos tratados internacionais, integram o conceito de ius cogens, que se entende por Direito Internacional imperativo. No que toca aos órgãos jurisdicionais, confirma-se que a jurisdição dos tribunais internacionais quanto ao Direito Internacional consuetudinário é facultativa e que depende do acordo entre as partes. Da mesma forma, a submissão a um litígio de Direito Internacional de fonte convencional ou a um tribunal arbitral dependem de um acordo entre as partes. No entanto, hoje em dia, já são muitas as convenções internacionais que atribuem jurisdição obrigatória ao Tribunal Internacional de Justiça. Há também Organizações Internacionais cujos tribunais têm sempre jurisdição obrigatória, de que são exemplo as Comunidades Europeias, em que a simples adesão do Estado às mesmas, o faz necessariamente sujeitar-se à jurisdição dos tribunais comunitários. Finda esta questão, passa-se agora a discutir a existência de coercibilidade no Direito Internacional, sendo que se poderá estabelecer uma estreita relação com a jurisdição dos tribunais, assunto tratado anteriormente. Isto porque uma das formas de atribuir sanções será através de instrumentos como os Tribunais Internacionais, em caso de incumprimento de normas internacionais por parte dos Estados no domínio do Direito Internacional convencional. Quanto às Organizações Internacionais, estas poderão determinar as suas próprias sanções aos Estados. No caso das relações de reciprocidade a função da sanção é desempenhada pela reciprocidade do não cumprimento, semelhante à lei de Tailão , e que, embora não se identifique rigorosamente com a sanção, preenche a sua função preventiva e repressiva da violação da norma jurídica.
    Conclui-se que a norma de Direito Internacional é dotada de obrigatoriedade e coercibilidade, bastando isso para que se afirme como norma jurídica e que se considere o Direito Internacional como real Direito.

    Francisca Marçal Santos, nº 003601

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