terça-feira, 7 de outubro de 2014

As fontes do direito internacional

"É geralmente reconhecido que não há hierarquia entre as fontes formais de Direito (...), mas parece que o costume deve ser considerado a fonte de maior dignidade já que o costume é o direito por excelência de uma sociedade inorgânica, e a principal das fontes não convencionais de Direito Internacional".

Adriano Moreira, Direito Internacional Público, 1983, p. 56

4 comentários:

  1. O costume é prova de uma prática obrigatória, uma prática reiterada com convicção de obrigatoriedade, prática geral aceite como direito. É uma fonte e caraterística do Direito Internacional.
    É necessária a existência de uma prática generalizada e imemorial? Tem de existir um elemento material, o corpus, que é prática reiterada, e o elemento psicológico, o animus, a convicção que a prática é obrigatória.
    Como provar um costume? Através dos comportamentos das partes, não é necessário uma prática generalizada uma vez que existem costumes locais, não pode é ser uma prática ziguezagueante. A prática pode consumar-se por ação ou por omissão e deve ser uniforme, o que significa que não comporta constantes mudanças de comportamentos. Tal não impede, todavia, que ocorram situações de violação pontual, desde que a prática se mantenha estável, constante, no tempo. Defende-se portanto, a existência de um pacto tácito, em que a sobrevivência dos costumes internacionais apenas seria possível pelo consentimento dado pelos Estados através do seu silêncio legitimador.
    Do ponto de vista hierárquico, os costumes não valem mais do que tratados nem os tratados mais do que os costumes, porque as fontes são paritárias. Um tratado pode derrogar uma prática costumeira e vice-versa, prevalecendo as normas ius cogens.
    Temos então, que a grande fonte do direito internacional são os costumes ao constituírem uma sociedade internacional não orgânica.
    Atendo ao positivismo normativista, de Kelsen, no âmbito das teorias não voluntaristas, i.e., o direito internacional não é imposto, é algo que supera a vontade dos estados, e impõe a sua obrigatoriedade: a norma costumeira, é aquela que ninguém discute. Uma norma consuetudinariamente criada tem o seu fundamento de vigência nas normas jurídicas do direito internacional criada por tratados. Esta norma é usualmente formulada no princípio pacta sunt servanda. Na norma fundamental pressuposta do direito internacional que institui o costume do Estados como facto gerador do direito exprime-se um princípio que é o pressuposto fundamental de todo o direito consuetudinário.
    O costume enquanto fonte do direito internacional será, no entanto, a menos convencional, porque de acordo com o preceito do ETIJ (art. 38.º, nº1, al. b)): “b) O costume internacional, como prova de uma prática geral aceite como Direito”, estamos perante uma menção bastante errónea do que vem a ser o costume, por várias razões: o costume não é uma prova de uma prática, é a própria prática que se eleva a norma jurídico-internacional; o costume não vincula por ser aceite, mas porque brota espontaneamente da convivência internacional, tendo como tal feição jurídica; porque o costume não é só geral, no sentido do âmbito da sua aplicação subjetiva, pois que pode ser um costume regional e local, nem por isso deixando de ser costume. Ainda assim, nunca seria admissível, por exemplo, um costume atentatório dos direitos humanos ou à soberania dos Estados, pelo que somos levados a concluir que, o fundamento dos costumes internacionais jamais pode ser a vontade dos Estados, mesmo que tácita, devendo, ao invés, assentar no respeito por valores supremos decorrentes do Direito Natural.
    Daniela Trindade/Nº2900

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  2. Tendo em conta as características imanentes à própria sociedade internacional, é de fácil compreensão o papel que o costume terá na regulamentação subjectiva das relações entre os diversos sujeitos de Direito Internacional. Quando Adriano Moreira se refere ao carácter inorgânico da sociedade internacional, não se refere a mais do que a inexistência de um qualquer núcleo centralizado de âmbito internacional a partir do qual seja possível, numa primeira fase, a produção normativa e, posteriormente, a irradiação dessas mesmas normas para a comunidade internacional.
    A dificuldade do estabelecimento de uma ordem normativa coerente é acrescida quando se faz alusão às características do Direito Internacional. Ao coexistir, na ordem internacional, uma pluralidade de sujeitos quer quantitativa como qualitativamente relevante, faz com que os focos de produção normativa se encontrem dispersos um pouco por todo o globo, colocando em causa a harmonia de pretensos regimes aplicáveis. O mesmo acontece com a relutância secularmente demonstrada pelo DIP em proceder a uma regulamentação dilatada a todas as questões passíveis de regulação internacional, conferindo ao Direito Interno o papel conformador de aplicação de normas internacionais no seu seio.
    Como tal, atendendo a estas particularidades, cabe agora procurar meios a fim de suprir possíveis ineficiências que derivem da aplicação de normas internacionais. Assim sendo, o costume internacional, fruto da sua estrutura, dá mostras de ser uma fonte de direito a ter em especial consideração no que diz respeito às vantagens que da sua aplicação podem derivar.
    Nas situações em que uma norma consuetudinária é chamada à resolução de um qualquer litígio, ela é sempre o produto de um equilíbrio das forças internacionais presentes no momento em que essa situação se verifica. A prática internacional reiterada com convicção de obrigatoriedade provém da consciencialização jurídica colectiva que os sujeitos internacionais inevitavelmente acarretam. É esta a lógica que se encontra por trás da fundamentação da ampla validade internacionalmente reconhecida ao costume.
    A sua não-convencionalidade acaba por relevar a favor da efectivação de normas costumeiras no cerne do Direito Internacional, no sentido em que se coloca à margem de quaisquer formalidades necessárias à produção de efeitos. O costume, ao reflectir a observância generalizada de determinada conduta, vê atestada a sua validade, não na expressão de qualquer aceitação de base voluntarista (como vem a acontecer nas convenções internacionais), mas através de uma aceitação baseada na espontaneidade de determinada prática, razão pela qual se torna numa manifestação de dever-ser aos olhos do Direito.

    André Pinto, nº003553

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  3. Adriano Moreira assume uma posição de prevalência do critério hierárquico no que respeita aos critérios de resolução das antonímias normativas, ao tomar o costume como a principal fonte de Direito Internacional. Justifica esta postura a partir das particularidades que se apresentam na comunidade internacional, sendo uma realidade bem distinta daquela que nos é apresentada no Direito Interno, em que há órgãos de soberania consagrados: um Parlamento, um Governo, um Presidente e Tribunais. Inversamente, na Comunidade Internacional, excetuando os Tribunais, esses órgãos não existem, e devido à grande diversidade de sujeitos internacionais, originam-se vários pontos de produção normativa difundidos por toda a sociedade internacional, daí a referência a uma sociedade inorgânica. Toda essa pluralidade de normas e fontes criadas facilita o surgimento de incompatibilidades aquando da regulação de matérias análogas, o que desperta a necessidade da criação de critérios de prevalência tanto das fontes como normas e princípios, visto que o artigo 38º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, que esclarece as fontes do Direito Internacional, não dá orientações quanto à resolução deste problema.
    Neste caso, o autor considera que o costume tem supremacia sobre todas as outras fontes e normas do Direito Internacional, o que se deverá, em primeiro lugar, às especificidades da sociedade internacional já apresentadas anteriormente em conjugação com as características subjacentes ao costume, considerando que este se traduz na existência de uma prática reiterada, que é oportunamente levada a cabo pelos respetivos destinatários (elemento material – o corpus) na convicção de que essa prática, não sendo tradicional ou rotineira, é para ser cumprida, tendo uma natureza de Direito aplicável (elemento psicológico – o animus). Desta forma, o costume quase espontânea e necessariamente se enraíza nos sujeitos de Direito Internacional de forma a regulamentar as suas relações, prossupondo uma elevada taxa de cumprimento por parte dos respetivos destinatários.
    Outro dos argumentos usados para legitimar a sua posição é o costume ser a principal fonte não convencional do Direito Internacional. Esta poderá ser, de facto, uma vantagem visto que dispensa qualquer tipo de formalidades para que vigore no âmago do Direito Internacional, ao contrário do que acontece, por exemplo, com o tratado internacional.

    Francisca Marçal Santos, nº 003601

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  4. (Continuação:)
    No entanto, e embora este tenha tido um contributo decisivo para o nascimento e desenvolvimento do Direito Internacional, havendo ainda hoje matérias da mais elevada relevância (por exemplo, responsabilidade civil e as imunidades dos Estados) que são reguladas maioritariamente por esta fonte, a consideração do costume como principal fonte do Direito Internacional deixa algumas dúvidas. Hoje em dia, as posições apresentadas pela doutrina são divergentes no que respeita à existência de hierarquia entre as fontes formais do Direito porque existem diversos critérios, para além do hierárquico, para resolver as antinomias entre fontes e normas originando diferentes interpretações das normas que deverão prevalecer sobre outras. Enquanto o critério hierárquico que aqui se propõe se prende com o reconhecimento da superioridade formal de certa fonte ou norma em resultado do poder que a segrega, assemelhando-se, de certo modo, a uma função constitucional que se vai desenvolvendo na sociedade, há outro que poderá ser mais indicado para resolver as contradições que poderão existir entre fontes e normas do Direito Internacional, para além de todos os outros critérios existentes. Esse critério dá pelo nome de critério ético-valorativo que parte do pressuposto de que as opções jurídico-internacionais que constam das suas fontes e normas são diferentes, devendo-se fazer uma distinção entre um patamar mais relevante – pela proximidade com o próprio fundamento supremo do Direito Internacional – e os restantes patamares inferiores – não tão relevantes ou até mesmo indiferentes do ponto de vista de uma consideração axiológica tida por aplicável. É nesse sentido que se aponta a categoria do ius cogens, pressupondo que estas normas prevalecem sobre outras que não atinjam tal padrão de supremacia, independentemente de outras considerações, como o tipo de fonte ou o momento do início da respetiva vigência. Mas é também é considerada a possibilidade da prevalência ser reconhecida a normas internacionais que não são sequer qualificadas como ius cogens, desde compatíveis com os direitos humanos internacionalmente reconhecidas. A diferença entre o critério hierárquico e o ético-valorativo reside no facto de a prevalência hierárquica não ser materialmente seletiva, sendo muitas vezes indiferente às opções de conteúdo, apenas se afigurando relevante a entidade que a produz, bem como o lugar que lhe reserva na hierarquia das fontes e das normas de Direito Internacional, diferentemente do critério ético-valorativo que se desprende da formalidade das normas.
    Conclui-se assim que atribuir uma ordem hierárquica de superioridade às fontes e normas de Direito Internacional poderá não ser o mais correto porque uma determinada fonte ou determinadas normas não têm necessariamente de ter sempre primazia sobre outras, dependendo sim do seu conteúdo. Assim sendo, e apesar do incontestável relevo do costume no Direito Internacional, será excessivo atribuir-lhe a maior relevância em relação às outras fontes do Direito.

    Francisca Marçal Santos, nº 003601

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