terça-feira, 7 de outubro de 2014

Ius Cogens

“A admissão do ius cogens e, portanto, de um Direito imperativo, no topo da hierarquia das fontes do Direito Internacional representa mais um fator de crise no voluntarismo e, ao mesmo tempo, um robustecimento da fundamentação do Direito Internacional no Direito Natural, porque ela foi acolhida pela Convenção de Viena quando esta admitiu o ius cogens

André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, Manual de Direito Internacional,3ª Edição, Almedina, 1997, p. 285

3 comentários:

  1. O voluntarismo é a vontade dos estados que anima a obrigatoriedade das normas do direito interno de cada Estado. O ius cogens, por sua vez, é a norma aceite e reconhecida pela comunidade internacional aos estados no seu todo, como norma cuja derrogação não é permitida e que só pode ser modificada por uma nova norma de direito internacional geral com a mesma natureza. É uma norma de cumprimento imperativo.
    O voluntarismo não deve ser tido como factor de crise ao voluntarismo, mas sim, considerado um limite.
    A convenção de Viena estatui no artigo 53º que é nulo todo o tratado que, no momento da sua conclusão, seja incompatível com uma norma imperativa de direito internacional geral.
    Se sobrevier uma nova norma imperativa de direito internacional, geral, a sanção para qualquer tratado existente que seja incompatível é a cessação de vigência e nulidade (art. 64º CV). Existe portanto, desvalor de normas violadoras com a nulidade no caso de a desconformidade ser inicial, e cessação de vigência no caso de a norma de ius cogens surgir posteriormente.
    É pertinente saber quais são, então as normas de ius cogens: proibição da guerra; pacta sunt servanda; proibição do uso da força; infringir soberania e igualdade do estado; autodeterminação; soberania sobre recursos naturais; proibição de tráfico de seres humanos; proibição de pirataria; proibição de genocídio; crimes qualificados quanto à humanidade, entre outros.
    As normas ius cogens estão presentes nas normas e princípios estruturantes da sociedade internacional. Pode resultar tanto de fontes convencionais como consuetudinárias, o que determina o seu carater evolutivo. As normas de ius cogens de hoje, podem não o ser amanhã.
    O que aqui é importante considerar é que o limite que se impõe ao voluntarismo, e limita a obrigatoriedade das normas de direito interno, vale no interesse dos próprios Estados, isto é, se não fossem estas normas, Estados podiam fazer uso ilimitado do seu poder, em detrimento dos outros.
    O ius cogens reforça a ideia de direito internacional natural, isto porque o direito natural é obrigatório, existe não porque tenha sido formalmente aceite, mas porque se forma de acordo com regras supra positivas, fazendo apoiar a obrigatoriedade do direito internacional no respeito por valores ou princípios, sediado acima do poder dos estados, aos quais estes devem obediência. Direito internacional é obrigatório, não porque tenha sido formalmente querido, mas porque se conforma com regras supra-positivas.
    O ius cogens é uma garantia para os Estados de que os seus interesses não irão ser lesados, porque estão integrados numa sociedade que têm subjacente princípios e normas fixadas acima do poder do Estado que a regulam, e que cabe a cada um dos Estados respeita-las e fazer com que as barreiras que essas normas estabelecem não sejam, de modo algum, ultrapassadas.
    Daniela Trindade/Nº2900

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  2. Primeiramente, importa definir que as normas ius cogens correspondem a um Direito imperativo que se contrapõe ao ius dispositivum, equivalente ao Direito que nasce da vontade das partes. A aceitação de um Direito Internacional imperativo traduz-se na admissão do princípio de que a Comunidade Internacional se estabelece com base em “valores fundamentais” ou “regras básicas” que coordenam a “ordem pública da Comunidade Internacional”, e que vinculam todos os sujeitos de Direito Internacional, delimitando a liberdade dos Estados e das Organizações Internacionais tanto na conclusão de tratados, como na prática de atos unilaterais. O ius cogens foi reconhecido na Convenção de Viena em dois dos seus artigos: no artigo 53º em que são definidas normas ius cogens “ (…) uma norma imperativa do Direito Internacional geral é uma norma aceite e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu todo como norma cuja derrogação não é permitida e que só pode ser modificada por uma nova norma do Direito Internacional geral com a mesma natureza.”, bem como afirmar a nulidade de um tratado que aquando da sua conclusão seja contra uma norma ius cogens “É nulo todo o tratado que, no momento da sua conclusão, é incompatível com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. (…) ”; e no artigo 64º que define que qualquer tratado anteriormente existente que seja contra uma norma ius cogens que surja posteriormente será nulo “Se sobrevier uma nova norma imperativa, geral, qualquer tratado existente que seja incompatível com essa norma torna-se nulo e cessa a sua vigência.”
    Interessa agora, sucintamente, descrever os pontos fulcrais das teorias voluntaristas para que se explique a razão pela qual a admissão das normas ius cogens no topo da hierarquia do Direito Internacional representam mais um fator de crise para estas teorias. Os fundamentos de raiz voluntarista comuns às diferentes teorias refletem a conceção de que é a vontade dos Estados que fomenta a obrigatoriedade das suas normas. Desta forma, o sistema jurídico-internacional é o espelho da manifestação da vontade dos Estados que aceitaram o estabelecimento de relações e de vinculações, as quais obrigam porque foram desejadas. Estas correntes baseiam-se no positivismo voluntarista e estadualista, que apenas admite a produção e a obrigatoriedade de normas jurídicas como expressão do poder público, sobretudo do poder dos Estados: eleva-se a sua vontade a critério fundamental da Ordem Jurídica, a lei na ordem interna e o tratado na ordem internacional. Assim se compreende que as normas de Direito imperativo ao trazerem uma indiscutível limitação à soberania dos Estados e à sua liberdade de estipulação na cena internacional são incompatíveis com as teorias voluntaristas, enfraquecendo-as. O ius cogens é então apenas explicável à face das modernas conceções do Direito Internacional, que não assentam no conceito de soberania indivisível dos Estados.

    Francisca Marçal Santos, nº 003601

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  3. (Continuação:)
    Por outro lado, houve, de facto, um robustecimento da fundamentação do Direito Internacional no Direito Natural com a admissão do ius cogens pela Convenção de Viena. O Direito Natural é sustentado pela teoria jusnaturalista, teoria defendida pela generalidade da doutrina portuguesa. Esta tese encontra-se dentro dos fundamentos de raiz não voluntaristas, concordando estes com a conclusão geral de que não é por ser querido que o Direito Internacional se torna obrigatório, mas sim porque há algo externo que lhe impõe a obrigatoriedade. Especificamente, a teoria jusnaturalista justifica a obrigatoriedade do Direito Internacional no respeito por valores ou princípios do Direito Natural, encontrando-se estes acima dos poderes dos Estados, exigindo-lhes obediência e uma atuação em sua conformidade. O Direito Natural alude à existência de uma limitação transcendente ao poder público, pois quem distingue o justo do injusto não é o poder dos Estados, mas sim a conformidade dos atos do poder público com as orientações que estejam acima do poder positivo que protagonizam, as quais não poderão ser manipuladas pelos Estados à sua vontade. O Direito Natural enfatiza também a necessidade da procura de orientações universais e perenes dirigidas em razão da dignidade e proteção da pessoa humana, numa ótica situada e concreta. Sendo que as normas ius cogens são normas imperativas que coincidem em grande parte com os pilares do Direito Natural, com o acolhimento do ius cogens pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, deu-se uma aproximação do Direito Internacional ao Direito Natural.

    Francisca Marçal Santos, nº 003601

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