sábado, 4 de outubro de 2014

Relatório - Debate - A liberdade dos mares

No dia 26 de Setembro de 2014, no âmbito da disciplina de Direito Internacional Público leccionada no segundo ano do curso de Direito, pelo Professor Doutor Francisco Pereira Coutinho, realizou-se um debate relativo ao tema "A Liberdade dos Mares" com duração de cerca de uma hora e quinze minutos.
A exposição deste tema teve como intuito replicar a querela setecentista que envolveu Portugal e os Países Baixos, dando a conhecer aos alunos as origens históricas da disciplina em questão. Constituindo um dos debates fundadores do Direito Internacional Público por estar relacionado com a geração que antecedeu a Paz de Vestefália (1648), faz sentido ser o primeiro tema abordado para uma melhor contextualização histórica.
Primeiramente, foi apresentada uma introdução genérica que ficou a cargo do aluno Rafael Carvalho. De seguida, procedeu-se à apresentação da tese do Mare Clausum, defendida pelos alunos Francisco Amaral e José Maria Street e, consequentemente, a apresentação da tese do Mare Liberum, defendida pelos alunos João Terrinha e Manuel Varela.
A introdução genérica foi feita com recurso a suporte digital, onde foram focados importantes aspectos para a compreensão do debate.
No início foi feita uma explicitação dos termos Mare Clausum e Mare Nostrum, tendo de seguida, sido abordada a questão do Tratado de Tordesilhas, bem como a visualização de um mapa das províncias portuguesas, espanholas e holandesas após a divisão do mundo em dois.
Prosseguiu-se uma breve explicação das guerras ocorridas na Europa - a Guerra dos Oitenta e dos Trinta Anos que estiveram na origem do Tratado de Vestefália e uma breve apresentação das consequências deste.
Falou-se também da divisão da Europa em termos religiosos, a influência do Papa e a questão das bulas atribuídas aos portugueses.
Por fim foi feita a apresentação de uma cronologia dos acontecimentos e o caso concreto da Nau de Santa Catarina.
Iniciou-se o debate entre as partes, sendo primeiro o lado português a apresentar os seus argumentos. Francisco Amaral começou por frisar factos que antecederam ao aprisionamento da Nau de Santa Catarina: A coroa portuguesa, tal como a coroa espanhola beneficiavam de autonomia marítima; As Províncias Unidas estavam em guerra apenas com a coroa espanhola; Portugal e as Províncias Unidas mantinham há muito tempo uma longa tradição comercial; Mencionou também o Edicto dos Estados Gerais (1599) que proibiu a navegação e o comércio dos súbditos das Províncias Unidas com a Espanha bem como a captura de navios espanhóis.
Seguindo o último facto, José Maria Street pôs em causa a moralidade dos holandeses dado que atacaram, com três embarcações, uma mera carraca inocente com cerca de 100 mulheres e crianças a bordo. Salientou que o comandante português decidiu render-se acordando trocar a embarcação pelas vidas. Efectivamente, o acordo foi cumprido, mas José Maria acusou os holandeses de saberem que se tratava de um acto moralmente censurável. Referiu também que depois da questão da Nau de Santa Catarina, a Companhia Holandesa das Índias Orientais perdeu grande parte dos seus accionistas.
Francisco Amaral confrontou os colegas, citando uma passagem da obra "The Free Sea" de Hugo Grócio relacionada com a consciência e a opinião pública, dois juízes, dos quais os pecadores jamais conseguiriam escapar.
Seguiu-se uma intervenção por parte do lado holandês. João Terrinha mencionou as boas relações comerciais existentes entre os dois países e que a Holanda sempre respeitou a política externa de Portugal que impedia que outras nações navegassem para os seus mares. No entanto, essas boas relações só funcionaram até à união real e até ao momento em que o rei Filipe de Espanha decretou o fecho dos portos espanhóis e portugueses bem como apreensão de navios civis inocentes. Alegou que tanto a traição dos portugueses como a necessidade de produtos, fez com que os holandeses se vissem forçados a ir buscar esses produtos directamente à fonte. Respondeu também à intervenção de José Maria Street, clarificando o conflito tendo por base um facto exposto na obra de Marcello Caetano - Não eram três embarcações, eram duas. Por fim, questionou o tratado de Tordesilhas por deixar de fora outras nações e questionou também as bulas papais, acusando os portugueses de se basearem na autoridade de um papa espanhol.
Do lado português, José Maria Street acusou os holandeses de ganância, o que levou ao aprisionamento da Nau de Santa Catarina já que este rendeu, aproximadamente, cerca de três milhões e meio de florins à Companhia das Índias. Referiu também que a Companhia distribuiu grande parte desse dinheiro pela Europa, questionando os seus motivos. Invocou um aviso feito pelo Papa Nicolau V ao rei D. Afonso V aquando o reconhecimento de alguns territórios terrestres e marítimos aos portugueses, segundo o qual, prevenia os portugueses para o facto de certas nações tentarem invadir, movidas pela inveja e ganância, os seus territórios sem pedir permissão. 
Manuel Varela, defensor da questão holandesa, respondeu ao argumento de acusação dizendo ser normal, em resultado de um confronto, oferecer parte dos ganhos como prendas a monarcas de outros países. Fez uma breve referência às bulas papais e clarificou o papel do Papa, dizendo que este era uma autoridade espiritual e que qualquer poder temporal que tivesse, emanava do poder espiritual que se enquadrava no contexto da salvação das almas. Salienta ainda que, estando a Holanda sob o domínio de outra religião, então não tinha que obedecer a um acórdão ou bula de uma religião com a qual não concordava.
José Maria Street fez um esquema relativo ao Tratado de Tordesilhas. Segundo esse esquema, o Tratado celebrado entre o rei de Portugal e de Espanha, seria herdado pelo sucessor. Depois de herdado, todos os reis espanhóis tornar-se-iam Condes da Flandres e Senhores da Holanda. Citando Grócio, afirmou que a Holanda deveria cumprir todos os tratados ou acórdãos independentemente das circunstâncias a fim de manter a paz desejada entre as nações. 
Respondendo ao argumento de Portugal, João Terrinha afirmou que qualquer estado que estivesse fora do Tratado não poderia ser afectado por ele. Afirmou também que a Holanda já não estava sobre o domínio espanhol e por isso não podia assumir aquilo que era atribuido a um estado antigo com um regime político diferente do seu. De seguida, apresentou o conceito de mar auto, surgido após a descoberta do caminho marítimo para o Brasil e índia. Apoiando-se neste conceito, João Terrinha alegou que o mar era impossível de dominar, sobretudo por um país tão pequeno que perdeu grande parte da sua força naval. Questionou também o facto de os portugueses exigirem o domínio exclusivo do comércio, dos mares e das ilhas por ocupação e acusou os portugueses de usarem a fé como argumento para exigir o domínio referido só para si.
Francisco Amaral clarificou a questão da ocupação, afirmando que para o exercício do direito de propriedade era necessária ocupação. Referiu também o conceito de usucapião e que o facto de os portugueses terem exercido, ao longo do tempo, a navegação e a exploração, deu-lhes direito de navegação exclusiva. Relativamente à parte da fé cristã, clarifica que desde o início, as explorações portuguesas foram financiadas pela ordem cristã, mas que a propagação da fé não se fazia sem meios. Por fim, criticou a obra de Grócio, afirmando não ter qualquer tipo de legitimidade, por se tratar de um produto pago por uma companhia privada que procurava encobrir um acto de pirataria.
Em resposta, Manuel Varela afirmou que os holandeses sempre respeitaram o direito dos portugueses, mas a partir do momento em que Portugal já não tinha poder naval e já não tinha hipótese de comerciar era impensável continuar a exigir o domínio exclusivo sobre o mar e o comércio. Afirmou também que a Holanda tinha todo o direito de comerciar com a Índia porque o mar era de todos. Acusou os portugueses de terem uma visão eurocêntrica e romanocêntrica da sociedade, ao exigirem todos os países tivesse de viver sobre a alçada da igreja católica.
Por fim, Francisco Amaral faz referência ao contexto da publicação da obra de Grócio. Foi uma obra que surgiu anonimamente num momento em que estava a ser negociado um tratado de paz entre a os rebeldes das Províncias Unidas e a Espanha, pois a Companhia Holandesa das Índias Orientais apenas queria ver salvaguardados os seus interesses.
No fim do debate, concluiu-se que ambos os lados teriam razão, mas que as suas teorias se apoiavam em paradigmas diferentes. Portugal baseou-se numa lógica Pré-Vestefália, tendo por base a autoridade papal que exercia poderes espirituais e temporais. A Holanda baseou-se numa lógica Pós-Vestefália baseada na igualdade dos Estados. 
Este debate foi fundamental porque, no seu decurso, foram apresentados acontecimentos históricos relevantes que viriam marcar a evolução do Direito Internacional Público: os descobrimentos portugueses e espanhóis e a afirmação dos estados soberanos.

Elaborado por: Joana Vieira dos Santos (nº3121)

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